24.5.05

AIBO

Planeei-te. Inventei-te novo, como fazia com as tapeçarias imensas riscadas em quadrículas de folhas de cadernos em aulas chatas. Outro, com o mesmo bronze, a mesma magreza a mostrar os mesmos ossos que me magoavam com - ou sem? - carinho, o mesmo cabelo pouco moldável.

Construí-te. Fiz-te de ferro quente e personalidade fria para qualquer um que não eu. Condicionei-te para que ladrasses ao mundo mau quando me fizesse chorar, e para que me lambesses as feridas e as mantivesses vivas, como o ditassem as tuas leituras dos meus estados de espírito e hormonas extremistas.

Concluído isto, tudo cosido, bem programado, ocultado, liguei-te. E tu pegaste no comando que fiz para ti e fizeste-me cantar.

22.5.05

Boomerang perde o caminho de volta

-Amo-te - fez um pedaço de sorriso, que a boca desenhada a régua do outro engoliu logo de seguida, de tanta inexpressividade - Tu não.

Fechou a caixa, um coração aveludado, encarnado-cliché, cujo toque o deixava em pele de galinha e o fazia morder o lábio. Como se o seu próprio tivesse também ele umas dobradiças e uma mola, e voltasse ao normal com ligeira pressão de dedos. Em vez disso, aberto, rasgado e já um pouco suturado, restos de pano ajuntados à força a cordel, deitava sangue pelos espaços deixados em branco, vagados pela máscara para dormir que lhe escorregava da frente dos olhos.

-Temos bom remédio.

15.5.05

Está abafado hoje...

Os velhotes que falam sobre o tempo nos bancos de jardins a perder espaço e cheios de lixo, não são estranhos a comunicar por comunicar. Foram namorados, e só lhes resta o tempo de que falar. Porque o tempo juntos é solução de conjunto vazio. Equação de vários passos, de componentes todos eles anulados.

E essas permanências partilhadas, porque só a dois se podem eliminar sinais opostos de valores idênticos, esse conjunto de silêncios que são, sim, gritos fechados a password e impressão digital em salas de isolamento sonoro, teclam blogues e escrevem pequenos pedaços de papel rasgado, disfarçados de imaginação dos seus autores.

Chamámos-lhe Amor. E sujámos com pedaços rasgados e amachucados dele os jardins com os seus bancos. E com as nossas conversas sobre tempo abafámos o ar.