27.1.06

"Eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho de minha altura" (F. Pessoa, como A. Caeiro)

Às vezes, enquanto faço a barba - fazê-la, no sentido de lhe fazer exactamente o oposto -, mergulho a mão na água morna, a divorciar, não facilmente, pêlo de lâmina. O quanto tinha acordado perde-se um pouco, com a temperatura. Tento fazer caber nela o pulso, depois o braço até ao cotovelo... Imagino-me caber todo lá, fazer de lavatório piscina, perder-me na imensidão de uma pequenez e de uma irrelevância maiores que as que conheço, e boiar, junto com pedacinhos de espuma e restos de barba de três dias.

Quando amo - a.k.a. "canalizo carências para um alvo específico" - é o mesmo. De tornado complexado com os conceitos enjoados de brincadeira de outros sobre o quão discutível é o 1.66 do quadrado que está no B.I., desejo caber. Do mar, passo a querer banheiras, das banheiras passam a apetecer-me poças esburacadas em más estradas, e mesmo dessas poças às vezes só me satisfaço com gotas a meio sal, enquanto pingam do queixo antes de se perderem para o algodão da almofada.

Resta-me então passar a cara por água gelada, que não acaba nunca, a não ser que falhe a chuva ou feche a torneira, e acordar para a vida. E fazer o mundo caber-me no bolso.