14.9.05

madame tussauds

A cera veio. Borrifou, cobriu. Escorreu-me pela cara, pela pele logo seguida de osso, pelas pernas, até tocar o chão, formando suporte. Derreteu-me a pele e fundiu-se com os músculos faciais que passaram a dispensar toxina botulínica, enrijeceu aquilo que era flácido, e chegou mesmo a substituí-lo por uma versão melhorada. Fixou-me as poses, esculpiu-me contornos seus a fingirem abdominais meus que não se encontravam por baixo, e que têm vindo a apodrecer e a deixar-me o interior capaz de produzir eco. A minha cara tornou-se remake com pouca originalidade dum anúncio de anos 20, se fosse mulher e publicitasse detergente de roupa. Brillhante, sem imperfeições fossilizadas de pré-adolescente, sem barba a criar novas imperfeições rasgadas com três dias de intervalo. E com o sorriso, mais dos olhos que da boca, imortalizado como se numa foto usada como método biográfico - inteiramente planeada para forjar, desde o cenário ao corte das margens do papel.

Ninguém o toca. Ninguém dá uso às unhas e o abre, e o rasga para os lados, expondo-me a carne-viva. Que pode não sorrir, pode não ser aquecida e torneada até à perfeição exaustiva. Pode ser causadora de alguma aflição no estômago de quem é sensível, ou agradável à vista para quem enche as salas por que passam filmes de terror. Mas que é, ao menos, aquilo que lhe chamamos.